Cada arte possui seu próprio nome para a presença da personalidade do artista na obra. Enquanto na fotografia ela se chama “Olhar” e na literatura “Voz”, no cinema é a famosa “Mão do Diretor”. Wes Anderson, o diretor de “O Grande Hotel Budapaste”, tem uma mão única. Sequer é necessário ser parte de sua legião de fãs para reconhecer qualquer um de seus filmes. Basta assistir a cinco minutos aleatórios de película para constatar quem está por detrás dela. Essa sua nova obra não é a melhor de sua carreira, mas é a que melhor retrata sua personalidade.
O “Grande Hotel Budapeste”, nomeado para nove Oscares, começa com uma jovem lendo um livro escrito em 1985. O filme volta para este ano, com o escritor do livro se recordando de uma viagem feita ao hotel do título, no ano de 1968. Nesta, ele encontra seu dono recluso e o convence a contar a estória de como obteve o local, em 1932. A cada viagem no tempo, o filme expande o universo imaginado por Wes Anderson, até atingirmos a última camada, quando vemos o Grande Hotel em seu auge.
Tímido no início, o diretor começa a se impor em cada detalhe, das cores aos enquadramentos. Assistir a trama chega a ser um exercício de perceber quantos elementos podem haver em tela para serem esculpidos por seu artista minucioso. O quadro composto possui uma coreografia circense da câmera e do elenco, que conta a estória sempre no limiar do cômico. Neste filme, é normal rir por simples gestos, mesmo em cenas de tensão. Uma perseguição animada na neve, que remete à “O Fantástico Senhor Raposo”, outra obra de Anderson, é um belo exemplo dessa mistura de emoções.
A trama é ambientada numa Europa imaginária, atemporal, com um pé na Belle Époque e outro no pré Segunda Grande Guerra. A premissa é até simples: O mistério da morte de uma senhora rica, que deixou herdeiros gananciosos, envolvendo o estafe do luxuoso hotel e uma obra de arte valiosa. Sem grandes malabarismos no enredo, o filme se apoia por completo no rico mundo de Anderson – onde o hotel rosa representa um refúgio para os horrores vindouros – e em seu elenco estrelado.
Owen Wilson, Bill Murray e Jude Law são alguns dos nomes que surge e desaparecem ao longo da projeção. Cada um se destaca a sua maneira, nos presenteando com contribuições distintas. Adrien Brody nos entrega um corvo na forma de homem, cujo mero caminhar pelos tapetes finos do hotel, apoiado por uma trilha sonora precisa, cria a angústia do perigo iminente. Willem Dafoe, um proto-nazista, é uma caricatura perfeita de vilão. Jeff Goldblum faz um burocrata, fiel seguidor das regras, tanto na atitude quanto nos gestos e palavras.
Ralph Fiennes é o destaque do grupo. Seu Monsieur Gustave H. resume a essência do filme, por sua postura refinada e impecável num mundo cada vez mais grotesco. Fiennes mostra toda sua proeza ao atuar dentro dos limites impostos por Wes Anderson, sem comprometer o carisma do personagem, cuja relação paterna com o jovem Zero é o foco da estória. Sua atuação garante o funcionamento do filme.
Muitos apostam num Oscar de Melhor Filme para “O Grande Hotel Budapeste”. Seu maior mérito seria finalmente coroar Anderson com uma estatueta, o que corrigiria uma injustiça da Academia. É um exagero. O filme é excelente, mas há outros candidatos melhores esse ano, e o próprio diretor já fez filmes melhores. O verdadeiro mérito desta película é ser o melhor reflexo de seu artista.
Por Brunno “Lobo” Silva.