Os super-heróis Marvel começaram a ser publicados no Brasil pela Editora Brasil-América (mais conhecida como Ebal) em 1967, indo na rabeira do sucesso que os desenhos desses personagens vinham fazendo na televisão, exibidos pelo Canal Bandeirantes. Para o lançamento, a editora estabeleceu uma histórica (e inédita) parceria com os postos Shell, que rendeu as hoje cobiçadas edições 0 de Capitão Z – 3ª. série (Homem de Ferro e Capitão América), Álbum Gigante – 4ª. série (O Poderoso Thor) e Super X – 5ª. série (Príncipe Submarino e O Incrível Hulk). As edições (que traziam na capa interna até mesmo as letras das músicas de abertura dos já mencionados desenhos) não foram vendidas em bancas de jornais, mas com exclusividade nos postos.
De 1967 até 1974, a editora publicou diversos títulos, incluindo alguns longevos como O Homem-Aranha (70 edições) e outros cuja duração foi mais modesta, como O Demolidor (31 edições) e Estréia – 1ª. série com o Quarteto Fantástico (21 edições). Os já citados Capitão Z e Álbum Gigante tiveram respectivamente 34 e 32 edições publicadas até que em 1970 ambas as publicações foram canceladas e deram origem a uma única revista que trazia as aventuras dos três heróis, chamada A Maior – 1ª. Série (21 edições). A revista de Namor e Hulk durou 55 números e todas as publicações eram em preto e branco. As exceções ficaram para as séries Homem-Aranha em Cores e Capitão Z Especial (com aventuras do Capitão América), que foram lançadas a cores, com um belo acabamento e capa cartonada. A editora ainda publicaria 4 Almanaques do Homem-Aranha (1971-1974), um Almanaque dos Heróis e os encontros Super-Homem X Homem-Aranha (em formato gigante) e Batman X Hulk, antes de perder os direitos da Marvel para a Bloch, em 1974
A título de curiosidade é importante ressaltar que antes da Ebal, os personagens da Timely (editora que antecedeu a Marvel), principalmente Capitão América, Namor e Tocha Humana, foram lançados em diversas revistas de editoras distintas, do começo da década de 40 até o final da década de 60.
Em 1968, a Gráfica Editora Penteado (GEP) punha em bancas o título Edições GEP. Relatos da época contam que essa publicação vendia muito pouco e as tiragens eram baixíssimas, o que torna ainda mais difícil encontrá-las hoje em dia. Seja como for, pouca gente sabe, mas do número 01 ao número 08 a editora lançou nada mais, nada menos, que os X-Men. As aventuras clássicas dos mutantes (que a maior parte dos leitores mais jovens só viu no Brasil em republicações) foram lançadas aqui quase que simultaneamente à sua edição nos EUA, mas em P&B e com papel vagabundo. É uma oportunidade única de ter em mãos uma revista com Blob sendo chamado de “Bolão” (numa época em que o politicamente correto não existia) e o Fanático de “Jaganata” (uma adaptação pobre de seu nome original). Os X-Men ainda reapareceriam nos números 13, 14 e 19 da Edições GEP.
Conquanto algumas edições do título apresentassem um material completamente desinteressante, é importante apontar que os números 09, 18 e 29, trouxeram pela primeira vez ao Brasil outra lenda da Marvel: o Surfista Prateado. O mesmo se deu com as edições 11, 15 e 21, que apresentaram o Capitão Marvel (no começo, ainda com aquele antigo uniforme verde). Edições GEP, curiosamente, não tinha um número de páginas definido e alternava volumes grossos de lombada quadrada, com volumes finos, grampeados. Após 23 volumes, o título foi descontinuado, mas durante o período no qual manteve os direitos sobre esses personagens, a editora ainda lançou um almanaque inédito do Surfista e dois volumes de encalhe dos X-Men, chamados Super-Almanaque dos X-Men.
Em 1975, a editora de Adolpho Bloch (bastante famosa por causa da revista Manchete) começava a publicar a Marvel no Brasil, em formatinho, mas com uma colorização extravagante que hoje é bastante discutida. Na época, os carros-chefe eram o Homem-Aranha (33 edições) e o Mestre do Kung Fu (31 edições), mas a editora não teve receios de arriscar e o resultado é que muitos personagens alternativos tiveram sua chance. Assim, os leitores puderam comprar revistas solo de Os Defensores e Punhos de Aço (que você provavelmente conhece como Punho de Ferro), com cinco edições cada e Ka-Zar, com sete edições. Também tiveram sua vez personagens já consagrados como Capitão América (20 edições), O Poderoso Thor (17 edições), Tocha Humana (14 edições), O Incrível Hulk (16 edições) Demolidor (15 edições), Namor (10 edições) e Vingadores (10 edições). Até mesmo o Motoqueiro Fantasma teve uma única edição lançada pelo selo de terror da editora, Capitão Mistério (que trazia material de terror da Marvel, como A Múmia, Frankenstein e Drácula). Este selo chegou a lançar uma excepcional revista chamada Histórias Fantásticas que, entre outros, trouxe aventuras de Blade, Morbius e Salomão Kane, mas infelizmente durou apenas 10 edições.
De relevante, a editora ainda publicaria dois almanaques em formato gigante, um do Homem-Aranha e outro do Capitão América e Conan, o Bárbaro (6 edições). Um sacrilégio foi cometido, contudo, contra o Homem de Ferro. A Bloch lançou as 3 primeiras edições da revista do personagem dentro do selo Bloquinho Extra. Posteriormente, deu continuidade a série com o título Homem de Ferro, que durou 15 edições. Porém, por algum inexplicável motivo, a série Bloquinho Extra também continuou até a edição 10, trazendo hora material Marvel, hora material alternativo. Ou seja, aqueles 3 primeiros volumes tornaram-se comuns tanto para O Homem de Ferro, quanto para Bloquinho Extra, algo impensável de ocorrer nos dias de hoje.
O contrato com a Marvel durou até 1978, quando os direitos dos personagens passaram para a RGE e para a Abril, que os dividiram durante alguns anos. Esta última só estabeleceria sua hegemonia a partir de 1983, tendo conseguido mantê-la até 2001, quando perdeu os direitos para a Panini que os detém até hoje.
Entretanto, à parte desta história dos quadrinhos no Brasil que é a mais conhecida, existe outra que merece ser destacada e trata de um lado bastante alternativo da publicação de super-heróis Marvel durante toda a década de 70. Existe um grande número de editoras menores (as quais possivelmente os leitores mais novos nunca ouviram falar), que lançaram um amplo montante de material durante esse período, com os títulos mais variados que se possa imaginar. Essas revistas são verdadeiras relíquias hoje e o acesso e a disponibilidade delas no mercado estão cada vez mais raros. Podemos destacar como a mais inquietante e disputada dessas publicações, a única edição de Hartan – o Selvagem, publicada no Brasil pela editora Graúna em 1973.
Hartan (para quem está um pouco confuso) nada mais é que o bom e velho Conan, editado aqui em uma revista pirata. A Graúna, decidida a não pagar os direitos autorais do herói para a Marvel, simplesmente lançou a revista, com uma mera alteração no título. Algo que só poderia tomar corpo mesmo na década de 70. Vale ressaltar que a editora nunca teve grande expressão no mercado e sua publicação de gibis foi bastante escassa. Como principais contribuições, podemos destacar a coleção Aventurama, que trouxe personagens como Hércules e o Besouro Negro da Charlton (atual Besouro Azul da DC), e também as 3 edições da revista solo do Homem-Fera, herói nacional desenhado pelo mestre Rodolfo Zalla. No entanto, mesmo que tivesse lançado apenas o Hartan e nada mais, ainda assim a Graúna já teria entrado para a história, afinal, essa revista adquiriu com o tempo o status de Cult e se tornou procuradíssima.
Mas a Graúna não foi a primeira a editar Conan no Brasil. Um ano antes, a Minami & Cunha havia adquirido os direitos de diversos títulos da Marvel e os lançou em revista própria, com um formato ligeiramente menor que o habitual na época e muito pouco impacto. Conan – o Bárbaro, teve 3 edições apenas trazendo pela primeira vez a famosa fase de Barry Smith e Roy Thomas. A Editora também disponibilizou no mercado os títulos Dr. Fantástico – na verdade o Dr. Estranho da Marvel – (2 edições) e 5ª. Dimensão, título que trazia (dentre outros) material Marvel alternativo, inclusive os Contos do Vigia. Teve ao todo 5 edições publicadas. Todas essas revistas são dificílimas de serem encontradas, mas abrilhantam qualquer coleção, afinal representam oportunidades únicas para vermos editado em português material de gente como Jack Kirby, Don Heck, Barry Smith e Steve Ditko.
Em 1973 Conan foi parar nas mãos da Roval, uma das editoras que Salvador Bentivegna fundou (as outras foram a Edrel e a Kultus). Conan – o Selvagem teve também apenas 3 volumes, sendo logo cancelada. Melhor sorte teve outro personagem bárbaro, Kull, criação menor de Robert E. Howard que também foi lançado em revista solo, numa publicação que durou sete edições. Detalhe: na época, o nome do herói foi mudado para Koll – o Conquistador, possivelmente por conta da sonoridade.
A esta altura do campeonato, é capaz que o leitor se questione – não sem razão – como é que esse monte de editoras pequenas lançavam personagens da Marvel (em geral um ou dois) ao mesmo tempo que a Ebal, sendo que era ela quem detinha os direitos sobre os heróis. O que acontece é que naquela época os títulos mais alternativos da editora eram comercializados separadamente, de forma bastante similar ao que é feito hoje em dia com edições especiais, mini-séries e Graphic Novels. É por conta dessa política que outras editoras além da Panini conseguem lançar revistas da Marvel e da DC sem se comprometerem.
Outra editora que aproveitou a onda e publicou no mesmo período bastante material da Marvel, foi a Gorrion. Shanna – a Mulher Demônio (a eterna parceira de Ka-zar, mas que aqui estrelava aventuras próprias) teve duas edições e um almanaque. Luke Cage – Herói de Aluguel teve três números publicados e o monstro de Frankenstein, aquele que viria a estrelar dois anos depois um título de sucesso na Bloch, teve duas séries lançadas: Dr. Frankenstein (três números) e O Monstro de Frankenstein (dois números). Fora isso, o caubói mais famoso da Casa de Idéias, Kid Colt, era presença constante nas diversas séries de faroeste que a editora teve: Vaqueiros, Oeste Sem Lei, Bang Bang, Bravo Oeste e Xerife, com argumentos de Stan “The Man” Lee. Por fim, a Gorrion também lançou cinco edições da série da Enfermeira da Noite. Para os que estão meio na dúvida sobre quem é a personagem, recentemente ela foi reformulada e reintroduzida no universo Marvel pelo argumentista Brian Bendis durante sua passagem pela revista do Demolidor.
A Paladino, editora tradicional que publicava material da King Features Syndicate como Flash Gordon e Príncipe Valente, também se aventurou a lançar heróis da Marvel nessa época. Entre 1972 e 1973, publicou três números de Kazar e três de Sargento Fury, em formatinho, mas com lombada quadrada. Kazar, aliás, também protagonizou algumas edições de Estórias de Terror, da Kultus, no mesmo ano de 1973.
Em 1972, o Grupo de Editores Associados (GEA) quebraria o paradigma do P&B, lançando seis revistas a cores de uma única vez. Apesar do capricho que as edições receberam, infelizmente elas não lograram grande êxito. Vamos aos números: O Poderoso Thor – 2 edições, O Príncipe Submarino – 2 edições, Quarteto Fantástico – 3 edições, O Invencível Homem de Ferro – 3 edições, Defensor Destemido (que você conhece como Demolidor) – 3 edições, O Incrível Hulk – 1 edição.
Melhor sorte teve a Trieste, editora que lançou a série infantil Nova Lili – a Garota Modelo que atingiu a marca de 32 edições publicadas e, entre 1969 e 1971, publicou Nick Fury – Agente da Shield (8 edições). O diretor da secretíssima agência da Marvel chegou inclusive a aparecer em outras revistas da editora, de heróis que nem da Marvel eram, como Nick Holmes. Para se ter noção do tamanho da falta de cabimento, era como se hoje você comprasse uma revista do Batman e encontrasse no meio dela uma história do Mandrake. Parece, entretanto, que na época isso não importava muito, de forma que os mix que as editoras montavam comumente incorriam nesse problema. A já citada 5ª. Dimensão da M&C chegou a trazer histórias nacionais junto com o material Marvel publicado. A Bloch também caiu no mesmo erro e no selo Capitão Mistério começou a incluir histórias produzidas em terras brasileiras. A Gorrion apresentava em suas séries de faroeste caubóis da Marvel como Kid Colt, Ringo Kid e Matt Slade lado a lado com heróis de outras editoras como Buck Jones, Rocky Lane e até material nacional. Em uma época na qual a questão dos copyrights era bem menos rígida, esse tipo de coisa foi até certo ponto, freqüente.
Quem colocaria “ordem na casa” seria a Editora Abril, que após alguns anos de instabilidade com os personagens, estabeleceria total hegemonia sobre a família Marvel e lançaria milhares de revistas dos heróis durante mais de duas décadas. Hoje o trabalho exemplar realizado pelas editoras em nada se parece com esses vulcânicos desastres do passado, o que não nos impede de olhar para esse delicioso momento histórico com um ar agradável de nostalgia e inocência, num período o qual as coisas eram mais simples e menos pretensiosas.